O programa Linha da Frente anunciava, há umas semanas atrás, que a
taxa de divórcios em Portugal ascende aos 70%. É impossível não pensar que 7 em
cada 10 casamentos tem o desfecho menos desejado. Ninguém casa para se divorciar,
mas antes para ser feliz!
A discussão era feita em torno das implicações sociopolíticas
na vivência do casamento. Desde a concordata entre Igreja e Estado que impedia
os casais casados pela Igreja de obterem o divórcio civil até 1975, até à forma
simplificada de obtenção do divórcio nos dias de hoje, foram analisados
diversos aspectos propiciadores do divórcio.
Contudo, há um que permanece um tabu social.
O nascimento de
um filho!
Nas medidas sobre acontecimentos de vida stressantes, a gravidez e o
nascimento de um filho vigoram na primeira metade da tabela, que é encabeçada por
três acontecimentos de implicações semelhantes: morte do cônjuge, divórcio e
separação matrimonial.
Se considerarmos o casamento como uma sublimação do instinto
reprodutivo, vemos na família uma instrumentalidade relacionada com o
prosseguimento da espécie. No entanto, o casamento e família têm, hoje em dia,
um peso e instrumentalidade que vão muito além dessa concepção. A visão que une
um casal é o da conquista da felicidade pela partilha de objectivos e destinos.
A introdução de um terceiro elemento obriga, necessariamente, ao ajustamento
das condições pré-estabelecidas pelo casal. E nem todos resistem…
Deixando o paleio mais técnico, venho falar-vos do meu tabu
pessoal. É inevitável olhar para trás e ver a transformação em nós operada,
enquanto casal. Jamais poderei falar do sentimento. Tenho a certeza convicta de
que amo o meu marido mais do que alguma vez amei. Mas a forma como esse amor se
expressa mudou. Aliás, tudo mudou.
Quando engravidei, os velhos do restelo todos apareceram à
orla da minha barriga para me vaticinarem o destino daquela jornada que mal
despontava. “Tudo muda!” – terão eles gritado. “Aves agoirentas” pensei eu cá
com os meus botões. Na verdade, mantive-me nessa ideia idiota de que “só aos
outros é que acontece” porque, como qualquer pessoa, achava que a minha relação
era a melhor e a mais sólida de todas!
A gravidez decorreu sem percalços mas acusei logo o primeiro
toque. Tudo o que vinha da minha família (conselhos, palavras de apoio, ou
mesmo críticas) tinham um impacto diferente das que provinham do outro lado da
barricada. Nesse dia descobri que a nossa origem importa. É mais fácil rebater
e refilar com os nossos do que com os do outro. E tudo o que até então não
impactava nada, agora adquiria o tamanho de uma cratera (mesmo que sem
importância nenhuma).
Mas o verdadeiro abalo dá-se quando dois pais inexperientes
se vêem pela primeira vez com um bebé nos braços.
A pressão do ter que aceitar e amar um ser que, na
realidade, ainda nos é estranho, é avassaladora. Ninguém nos ensina como amar
alguém ao primeiro toque. Isso de amor à primeira vista é bonito mas é nos
filmes. E aquele “pequeno amor” só come, dorme, chora e faz umas funções fisiológicas
menos bonitas. Nada de sorrir, de falar connosco, de nos seduzir com olhinhos e
palavrinhas doces!
Em vez de nos virarmos um para o outro parece que virámos
costas. Ele não se mexia porque não queria incomodar. Eu não dizia nada porque
não queria pressionar para ele se mexesse… e quando demos por nós, estávamos de
costas voltadas.
É preciso força e vontade para sair dessa espiral. Normalmente,
ali, 6 semanas depois do parto a coisa melhora, para os casais que são capazes
de voltar a uma vida sexual satisfatória, entre os inconvenientes da lactação e
da privação do sono (e já agora da falta de disponibilidade mental).
Mas ainda assim, onde antes não havia ressentimentos de
parte a parte, estes passam a existir. Os desacordos passam a ser mais
expressivos. Por vezes, a indiscutível relação privilegiada entre a mãe e a
criança deixa a sensação de abandono na antes exclusiva relação homem-mulher. Até
disso somos despidos, quando para todo o lado nos tratam como o pai ou a mãe de…
A identidade fica abalada… A do casal também.
Os primeiros dois anos, com as noites mais ou menos mal
dormidas, as dificuldades de aceitação das ideias do outro, o ser capaz de
resistir às crescentes pressões familiares, a falta de apoio social para
permitir aos pais deixarem de o ser de vez em quando, tudo isso, torna o
ajustamento aos filhos um dos acontecimentos de vida de maior stress.
Portanto, não é de estranhar que muitos casamentos terminem
após esse período. Que depois de tudo vivido, se não soubermos reencontrar o
amor que deixamos algures no caminho, que cada um tenha crescido para o seu
lado.
Por aqui, precisámos de lutar para nos (re)encontrarmos e
ainda lutamos. O desgaste da educação de duas crianças (sim porque, por vezes,
no meio disto tudo dá-se a loucura de querermos mais), ainda pesa na nossa
estrutura. É preciso lembrarmo-nos que antes de amarmos aquelas crianças também
nos amávamos (e a nós, by the way) e
que foi por esse amor que elas vieram ao mundo. A velha máxima de nos
colocarmos em primeiro lugar não deve ser abandonada nem é um acto de egoísmo. A
educação faz-se pelo exemplo e antes ensinar os nossos filhos a serem felizes,
do que lhes mostrar que não merecemos a felicidade.
AG
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