sexta-feira, 30 de outubro de 2015

As relações na balança




O programa Linha da Frente anunciava, há umas semanas atrás, que a taxa de divórcios em Portugal ascende aos 70%. É impossível não pensar que 7 em cada 10 casamentos tem o desfecho menos desejado. Ninguém casa para se divorciar, mas antes para ser feliz!
A discussão era feita em torno das implicações sociopolíticas na vivência do casamento. Desde a concordata entre Igreja e Estado que impedia os casais casados pela Igreja de obterem o divórcio civil até 1975, até à forma simplificada de obtenção do divórcio nos dias de hoje, foram analisados diversos aspectos propiciadores do divórcio.
Contudo, há um que permanece um tabu social. 

O nascimento de um filho! 

Nas medidas sobre acontecimentos de vida stressantes, a gravidez e o nascimento de um filho vigoram na primeira metade da tabela, que é encabeçada por três acontecimentos de implicações semelhantes: morte do cônjuge, divórcio e separação matrimonial.
Se considerarmos o casamento como uma sublimação do instinto reprodutivo, vemos na família uma instrumentalidade relacionada com o prosseguimento da espécie. No entanto, o casamento e família têm, hoje em dia, um peso e instrumentalidade que vão muito além dessa concepção. A visão que une um casal é o da conquista da felicidade pela partilha de objectivos e destinos. A introdução de um terceiro elemento obriga, necessariamente, ao ajustamento das condições pré-estabelecidas pelo casal. E nem todos resistem…

Deixando o paleio mais técnico, venho falar-vos do meu tabu pessoal. É inevitável olhar para trás e ver a transformação em nós operada, enquanto casal. Jamais poderei falar do sentimento. Tenho a certeza convicta de que amo o meu marido mais do que alguma vez amei. Mas a forma como esse amor se expressa mudou. Aliás, tudo mudou.

Quando engravidei, os velhos do restelo todos apareceram à orla da minha barriga para me vaticinarem o destino daquela jornada que mal despontava. “Tudo muda!” – terão eles gritado. “Aves agoirentas” pensei eu cá com os meus botões. Na verdade, mantive-me nessa ideia idiota de que “só aos outros é que acontece” porque, como qualquer pessoa, achava que a minha relação era a melhor e a mais sólida de todas!

A gravidez decorreu sem percalços mas acusei logo o primeiro toque. Tudo o que vinha da minha família (conselhos, palavras de apoio, ou mesmo críticas) tinham um impacto diferente das que provinham do outro lado da barricada. Nesse dia descobri que a nossa origem importa. É mais fácil rebater e refilar com os nossos do que com os do outro. E tudo o que até então não impactava nada, agora adquiria o tamanho de uma cratera (mesmo que sem importância nenhuma).

Mas o verdadeiro abalo dá-se quando dois pais inexperientes se vêem pela primeira vez com um bebé nos braços.

A pressão do ter que aceitar e amar um ser que, na realidade, ainda nos é estranho, é avassaladora. Ninguém nos ensina como amar alguém ao primeiro toque. Isso de amor à primeira vista é bonito mas é nos filmes. E aquele “pequeno amor” só come, dorme, chora e faz umas funções fisiológicas menos bonitas. Nada de sorrir, de falar connosco, de nos seduzir com olhinhos e palavrinhas doces!

Em vez de nos virarmos um para o outro parece que virámos costas. Ele não se mexia porque não queria incomodar. Eu não dizia nada porque não queria pressionar para ele se mexesse… e quando demos por nós, estávamos de costas voltadas.
É preciso força e vontade para sair dessa espiral. Normalmente, ali, 6 semanas depois do parto a coisa melhora, para os casais que são capazes de voltar a uma vida sexual satisfatória, entre os inconvenientes da lactação e da privação do sono (e já agora da falta de disponibilidade mental).

Mas ainda assim, onde antes não havia ressentimentos de parte a parte, estes passam a existir. Os desacordos passam a ser mais expressivos. Por vezes, a indiscutível relação privilegiada entre a mãe e a criança deixa a sensação de abandono na antes exclusiva relação homem-mulher. Até disso somos despidos, quando para todo o lado nos tratam como o pai ou a mãe de… A identidade fica abalada… A do casal também.

Os primeiros dois anos, com as noites mais ou menos mal dormidas, as dificuldades de aceitação das ideias do outro, o ser capaz de resistir às crescentes pressões familiares, a falta de apoio social para permitir aos pais deixarem de o ser de vez em quando, tudo isso, torna o ajustamento aos filhos um dos acontecimentos de vida de maior stress.
Portanto, não é de estranhar que muitos casamentos terminem após esse período. Que depois de tudo vivido, se não soubermos reencontrar o amor que deixamos algures no caminho, que cada um tenha crescido para o seu lado.

Por aqui, precisámos de lutar para nos (re)encontrarmos e ainda lutamos. O desgaste da educação de duas crianças (sim porque, por vezes, no meio disto tudo dá-se a loucura de querermos mais), ainda pesa na nossa estrutura. É preciso lembrarmo-nos que antes de amarmos aquelas crianças também nos amávamos (e a nós, by the way) e que foi por esse amor que elas vieram ao mundo. A velha máxima de nos colocarmos em primeiro lugar não deve ser abandonada nem é um acto de egoísmo. A educação faz-se pelo exemplo e antes ensinar os nossos filhos a serem felizes, do que lhes mostrar que não merecemos a felicidade.

AG


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